FETRAF/RN PRESENTE NAS COMEMORAÇÕES DE 20 ANOS DA ASA BRASIL
Entre os dias 26 e 27 de novembro em Recife/PE, foi
comemorado 20 anos de resistência e lutas da ASA Brasil (Articulação do
Semiárido Brasileiro) que reúne centenas de organizações que lutam por
políticas públicas para o semiárido brasileiro.
Neste sentido a FETRAF/RN - membro ativo da ASA- esteve
presente durante o evento, sendo representada pela Diretora de Mulheres, Wigna
Brito.
Pela manhã, no salão grande
do Marante Hotel, na zona sul do Recife, cerca de 130 integrantes da ASA de
todos os estados - de Minas Gerais ao Maranhão - sentaram em dois grandes
círculos para dialogar com as falas do professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte que estuda o Semiárido desde o final da década de 1980, Roberto
Marinho, com a assentada da reforma agrária, agricultora e sindicalista da
região da Borborema, no agreste da Paraíba, Roselita Victor, e com o integrante
da Coordenação Executiva da ASA Brasil e ASA Bahia, Naidison Baptista.
Complementares, as falas de cada um formaram um cenário onde
se destacava a singularidade do seu papel enquanto uma rede diversa e ampla de
organizações da sociedade civil que há 20 anos resolveram se mobilizar em prol
de uma causa e estratégia - a convivência com o Semiárido. O cenário tinha como
pano de fundo os indicadores sociais do Censo Agropecuário 2017 do IBGE,
divulgados este ano, que foram pincelados pelo pesquisador Roberto Marinho.
O professor, que se dedica a estudar o Semiárido desde 1987,
abriu a mesa trazendo algumas afirmações que atestam a mudança social ocorrida
no Semiárido: o aumento da capacidade de resistência da população sertaneja
frente à grande seca que se estendeu de 2012 a 2017/18 e a "mudança
do padrão de gestão das políticas públicas". Segundo Marinho, essa mudança
é consequência de uma série de fatores como ´a formação da capacidade de
construção coletiva por parte da sociedade civil organizada que, por sua vez, é
fruto de um processo de mobilização social em torno de uma causa, a convivência
com o Semiárido´.
Sobre a mudança do padrão de gestão das políticas pública,
Marinho credita aos esforços da ASA a construção de "uma porta no
Estado" para que a sociedade pudesse interferir nas políticas públicas de
uma forma diferenciada, a partir de uma relação na qual o povo se apropria das
políticas públicas.
A fala de Roselita Victor foi feita a partir do lugar de
agricultora familiar assentada da reforma agrária que acompanha a ASA desde o
princípio da articulação. "Em 2003, a partir do EnconASA [Encontro
Nacional da ASA] que aconteceu na Paraíba, a ASA construiu sua conexão com quem
está na base. Nesses 20 anos, a partir da construção política do P1MC [Programa
Um Milhão de Cisternas] e do P1+2 [Programa Uma Terra e Duas Águas], tiramos
muitas pessoas da invisibilidade.... Resgatamos a autoestima do nosso povo. As
pessoas passaram a se orgulhar de seu lugar".E, complementando o
que Marinho falou antes sobre o pertencimento do povo às políticas de acesso à
água, Victor assegura: "Em qualquer espaço de debate de políticas públicas
que vou, não tem como não não citar os programas de convivência com o Semiárido,
porque assumimos eles como políticas nossas".
Na continuidade, Roselita inaugura a série de recomendações à
ASA para que este organismo complexo e diverso se reinvente neste tempo de
crises. A primeira delas, anunciada em tom taxativo - e que fez coro com falas
da mediadora da mesa Graciete Araújo, que integra a coordenação executiva da
ASA Brasil - foi que a ASA passe a "encarar como princípio a luta contra a
violência que as mulheres rurais enfrentam todos os dias". Reforçar a luta
das populações LGBTs, negra e jovem também fez parte do pacote de recomendações.
Como membro da coordenação executiva da ASA, Naidison
Baptista trouxe os números dos programas da ASA como abre alas de sua fala: 1
milhão e 250 mil cisternas de placa nas casas dos agricultores, 200 mil
tecnologias que acumulam água para produção de alimentos, 1 mil bancos de
sementes, 7 mil escolas com água. "Introduzimos no Semiárido a dimensão da
partilha da água. Antes da gente, a a água era concentrada nos açudes e
aguadas". E ele seguiu tecendo por entre os vários princípios
metodológicos da ASA até chegar na situação atual da relação da ASA, enquanto
articulação da sociedade civil, e o governo federal. "Estes
E elaborou as primeiras das muitas perguntas dirigidas à ASA
no dia de ontem. "Como nos reinventamos para continuar firmes na
perspectiva da convivência com o Semiárido?" e "Como aprofundamos
essa construção de saberes que somos nós, a ASA?"
Outras questões surgiram do grupo que escutava atento a mesa
e parece terem nascido deste momento de reflexão. "Em que medida o nosso
trabalho foi capaz de empoderar as organizações da ASA com relação a esse modo
de construir a emancipação e autonomia das famílias agricultoras? Como
conseguimos traduzir isso tudo em força política e social para fazer o
enfrentamento às forças conservadoras que aí estão?", elaborou Luciano
Marçal, da organização AS-PTA, da ASA-PB. E acrescentou: "Em que medida a
experiência que tivemos a partir dos programas de convivência com o Semiárido
executados pela ASA pode ser alargada para outros programas sociais para que
irradie a participação ativa da sociedade na implementação e construção de
políticas públicas?"
À tarde, as questões existenciais continuaram vindo à tona na
mesa intitulada ASA +20, que teve a participação de Sílvio Santana, da Fundação
Esquel Brasil, Aerton Paiva, da Apel, consultoria que atua na área de
investimentos privados na área social, e a militante e líder do Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), Rafaela Alves, e mediação de Valquíria Lima, também
da coordenação executiva da ASA Brasil. Desta mesa que passeou por
momentos de leitura da conjuntura política e outros de muito pragmatismo
característico do campo empresarial, emergiram recomendações para a ASA
refletir sobre o capitalismo como sistema hegemônico, totalitário e global
"que não tem preocupação com a vida humana e tem nos imposto - aos
movimentos e organizações sociais do campo dos direitos humanos - sucessivas
derrotas".
Outras ´tarefas´ delegadas à ASA por Rafaela neste exercício
de refletir sobre si é "aprofundar o entendimento do seu papel, se
preparar para atuar em conjunturas adversas como a atual e manter vivo um
processo de formação técnico e político que favoreça a ampliação permanente da
consciência política das pessoas do campo".
Com relação às perguntas, à ASA foram endereçadas outras
tantas pelo representante da consultoria Apel que mediou a relação de parceria
da ASA com a Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, e com a Petrobras.
"Será que a gente está explorando bem o capital social singular da ASA? O
que a gente pode atrair mais para a nossa causa? Como vamos lidar com este
contexto de desqualificação dos movimentos socais? Qual a nossa estratégia de
defesa narrativa? Como vamos lidar com a pauta do clima? Como ampliamos a
visibilidade da causa do Semiárido que é muito contida na região?"...
entre outras questões anunciadas por muitas vozes até o encerramento da mesa.
Ao fim do intenso exercício de olhar para as questões que
podem ´alumiar´ o vir-a-ser da ASA, o tom era de celebração, de festa. Aliás, a
leveza dos versos poéticos estava bem presente durante o primeiro dia deste
encontro da ASA. Aqui e ali, saltava dos corações e mentes dos
participantes-poetas versos autorais ou lembrados de gente que nos inspira até
hoje como Cora Coralina, essa mulher escritora e feminista trazida para o meio
dos presentes pela voz da comunicadora do Fórum Piauiense de Convivência com o
Semiárido, Paula Andreas:
"É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas
pernas. Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros. Mais
estrada no meu coração do que medo na minha cabeça."
Escrito por: Verônica Pragana - Asacom
Adaptações: Alex
Pontes - Coordenação de Juventude da FETRAF/RN
Fotos: Wigna
Brito e ASA