com aumento nos custos de produção, Plano Safra não atende necessidades da agricultura familiar
Criado em agosto de 1995, o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foi, por
anos, uma política pública reconhecida no direcionamento de recursos para o
financiamento de pequenos e médios agricultores do País. Atualmente, no entanto,
a União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária
(Unicafes) denuncia um encolhimento desses recursos que dificulta a vida dos
produtores responsáveis pela maior parte do alimento que chega às meses dos
brasileiros.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento anunciou que destinaria R$ 53,6 bilhões ao Pronaf a partir de recursos oriundos do Plano Safra 2022/2023. O montante acabou elevado na última quinta-feira para R$ 60,1 bilhões, mas ainda assim 16,5% menor do que aquele reivindicado por entidades do setor, que propunham R$ 70 bilhões.
O presidente da Unicafes-RS denuncia a insuficiência do Plano Safra. Foto: Reprodução/Unicafes
Gervásio Plucinski, presidente da
Unicafes-RS, explica que os recursos liberados não se equiparam ao aumento
enfrentado por partes da produção. "O Plano Safra 2022/2023 demorou muito para
ser publicado e para serem liberados os recursos. Houve pelo menos um aumento
de 100% no custo de produção do agricultor da safra passada para esta. O
recurso disponibilizado foi somente 36% maior do que no ano passado."
A demora em destinar os recursos
assustou produtores e muitos não conseguiram o crédito, com alegações de que
não havia mais recursos. "A gente encaminhou o primeiro recurso para a safra de
inverno e já foi meio conturbado, até soubemos de alguns casos que não
conseguiram fazer o financiamento porque tinha acabado o recurso", conta Jonas
Schneider, agricultor da Cooperativa de Pequenos Agropecuaristas de Ibirubá
(Coopeagri).
"O governo federal não dialogou
com as entidades. Historicamente a gente fazia isso, mas neste governo temos
dificuldade, sempre apresentamos as pautas da agricultura familiar e elas eram
discutidas, agora tivemos muita dificuldade de diálogo, não conseguimos nenhuma
audiência sequer com o ministério", declara Gervásio.
Em um contexto de pandemia e
crises sociais, as entidades apontam que o governo não levou em conta todos os
problemas enfrentados pelos produtores, aumentando gradativamente os juros nas
linhas de crédito. "Num período de dificuldade, saindo de estiagem, saindo de
pandemia, entendemos que o Plano Safra perdeu a importância e ele não atende as
necessidades da agricultura familiar, do cooperativismo, e que precisamos
retomar, de modo especial, o diálogo, para que a gente possa reconstruir, num
próximo governo, esse debate e a construção coletiva do Plano Safra voltado
para o interesse da agricultura familiar", pontua.
O Plano Safra foi criado em 2003
e é um programa do governo federal que prevê o direcionamento de recursos
públicos para financiar as atividades de produtores rurais. Divulgado
anualmente, é uma ferramenta para assegurar financeiramente, por meio de linhas
de crédito, as diferentes partes envolvidas com a agropecuária, em meio a
estiagens, cheias, altas de preço, e diversos outros problemas que podem afetar
a produção.
Segundo Luciane Wilhelm,
agricultora da Cooperativa de Produção e Desenvolvimento Rural dos Agricultores
Familiares de Santa Maria (Coopercedro), o impacto da insuficiência do plano é
traduzido no abandono do campo. "Conheço pessoas que saíram do interior, foram
para a cidade, porque todo o investimento é na produção em grande escala, às
vezes um ou dois produtos só. Teve quem abandonou atividade e teve quem se
remodelou, teve que procurar outros comércios, mudar de cultura para atender
supermercados."
Em sua visão, não há interesse
por parte do governo em ajudar propriedades menores. O foco está em grandes
latifúndios e na monocultura. "Você fala em agro, mas se esquece totalmente da
agricultura familiar. Quem produz a comida do dia a dia, quem põe lá batata,
mandioca, abobrinha, pimentão, couve, tempero na mesa das pessoas?", questiona.
De acordo com o último Censo Agro
do IBGE, realizado em 2017, a agricultura familiar representa 77% dos
estabelecimentos agrícolas do Brasil, porém ocupa somente 23% da área agrícola
total. Considerando os alimentos consumidos pelos brasileiros, os dados
demonstram a participação significativa da agricultura familiar. Nas culturas
permanentes de café e banana, 48% do valor da produção é do segmento. Nas
culturas temporárias, a agricultura familiar é responsável por 80% da mandioca,
69% do abacaxi e 42% do feijão, por exemplo.
Programa de Aquisição de Alimentos
Outro problema apontado pelos
produtores rurais é que não há incentivos além das linhas de crédito. Gervásio
cita a modalidade Apoio à Formação de Estoques, parte do Programa de Aquisição
de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que assegura a comercialização dos
produtos, sustentação de preços e agregação de valor, por meio da compra de alimentos
da agricultura familiar.
"Essa modalidade, em 2012,
disponibilizou R$ 586 milhões para compra de produtos. No ano passado, por
exemplo, nós tínhamos R$ 58 milhões, é um produto que não foi comprado, não foi
doado para as entidades carentes. E aí começa a se explicar, inclusive, um dos
fatores que ajudaram a aumentar muito a fome no Brasil, além da redução de
renda e do desemprego", defende.
Segundo os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a série histórica dos valores destinados ao PAA estão em queda desde 2015. A prestação de contas do programa é feita anualmente pela publicação no "Compêndio de Estudos" da Conab. A partir de 2018, no entanto, a forma de visualização dos dados foi modificada, dificultando a comparação com anos anteriores.
Fonte: Conab e Sul 21.