Juventudes na luta pelo PL da Sucessão Rural

As juventudes rurais brasileiras estão mobilizadas pela aprovação do Projeto de Lei (PL) 9.273/2017, que institui a Política e o Plano Nacional de Sucessão Rural. O Projeto é de autoria de seis deputados petistas: Patrus Ananias (PT/MG), Valmir Assunção (PT/BA), João Daniel (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP), Marcon (PT/RS) e Luiz Couto (PT/PB).

Propõe instituir a Política e o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, com o "objetivo de integrar e articular políticas, programas e ações para a promoção da sucessão rural e a garantia dos direitos das juventudes do campo, das florestas e das águas". Para a identificação do público, faz referência a duas legislações específicas: a Lei da Agricultura Familiar (Lei. 11.326/2006) e o Estatuto da Juventude (Lei. 12.852/2013). Outras ferramentas relevantes são o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP/Pronaf).

Tramitação na Câmara dos Deputados

Em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2017, o PL se encontra na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e recebeu parecer favorável do relator, Deputado Jerônimo Goergen (PP/RS). Se aprovado, seguirá para as Comissões de Finanças e Tributação (CFT)  e, finalmente, Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Organizações do campo, das florestas e das águas estão mobilizadas para a audiência pública que irá debater o projeto, agendada para o dia 30 de abril de 2021. Neste importante momento, representações do MST, MPA, MMC, Contag, Contraf e outras vão afirmar sua importância e tentar sensibilizar os deputados da Comissão de Agricultura, majoritariamente formada por representantes do agronegócio.

Quem são as juventude rurais brasileiras?

Nessa medida, o PL propõe políticas públicas especificamente voltadas às pessoas de 15 a 29 anos, pertencentes ao público da Lei da Agricultura Familiar: camponesas/es, acampadas/os, assentadas/os da reforma agrária, povos indígenas, quilombolas, extrativistas, quebradeiras de coco, populações de fundo e fecho de pasto, pescadoras/es artesanais, ribeirinhas/os, marisqueiras/os, geraizeiras/os e outros.

Diversidade. Essa palavra carrega, em essência, a força da heterogeneidade dessas juventudes. A diversidade territorial, expressa nos diferentes biomas e culturas, se soma à pluralidade de raça e gênero. Há também desigualdades muito marcadas em termos de condição de ocupação da terra (jovens sem terra, com pouca terra, que vivem nas propriedades dos pais, etc) e de acesso à serviços públicos, com destaque para a educação.

Segundo dados do último Censo Demográfico (2010), dos 51 milhões de jovens brasileiros, 15,7% vivem nas áreas rurais. Esse número se reduz a cada aferição oficial, o que faz da migração campo-cidade um componente ainda hoje relevante para explicar a dinâmica demográfica brasileira.

A abordagem das Ruralidades nos permite problematizar esse dado, ao introduzir novas categorias para pensar os territórios e o modo de vida rural do Brasil rural contemporâneo. Conforme apontam estudos recentes, o rural é, cada vez mais, espaço da multifuncionalidade e da pluriatividade, ou seja, extrapola as atividades agrícolas. Da mesma forma, o modo de vida rural caracteriza boa parte dos mais de 70% municípios brasileiros, cuja população é inferior a 20 mil habitantes.

A revisão dos números é importante. Se a população rural brasileira é superior do que o contingente divulgado pelos órgãos oficiais, mais recursos e esforços devem ser destinados a ela.

A gravidade da situação juvenil foi reiterada pelos dados mais recentes do Censo Agropecuário de 2017. Um olhar sobre as classes de idade dos produtores mostra que apenas 2% têm menos de 25 anos (eram 3,3% em 2006); e somente 9,3% têm entre 25 e menos de 35 anos (eram 13,6% em 2006). Como resultado da combinação das dinâmicas excludentes de gênero e geração, apenas 0,5% dos produtores são mulheres com menos de 25 anos de idade.

Enfrentar a questão da sucessão rural é um desafio colocado ao Brasil e a todos os demais países do mundo. Para tanto, é preciso criar e impulsionar dinâmicas locais de modo a garantir as condições de permanência das juventudes.

Três argumentos justificam a luta

Esse contexto, somado a uma conjuntura brasileira de crise generalizada, ao retorno do Brasil ao mapa da fome e aos dados de desemprego em massa nos centros urbanos, o tema da garantia da Sucessão Rural se justifica como: i) direito das juventudes, ii) como necessidade social e iii) como dever do estado.

A cidadania é um direito das e dos jovens. Ela compreende o acesso a bens e serviços públicos de qualidade, bem como o direito de fazer parte de uma comunidade, com a fruição e produção da cultura, dos costumes e das tradições. Já o direito de viver é juventude é garantido pelo Estatuto da Juventude.

A necessidade social se justifica por fatores da própria economia política. Não há como falar em produção e abastecimento de alimentos saudáveis, soberania alimentar, hídrica e energética, preservação da sociobiodiversidade e dos recursos genéticos sem tensionar o modelo de desenvolvimento que super explora o trabalho e a natureza. A monocultura produtiva - e também de pensamento - promove o esvaziamento do campo e o êxodo das juventudes. O Brasil saiu do mapa da fome da FAO/ONU em 2014, porém a dignidade dessa conquista cidadã está sendo rapidamente revertida. Os níveis de fome e insegurança alimentar de hoje são piores que os de 2004, conforme mostrou a pesquisa da Rede Penssan, divulgada em abril de 2021. O caminho aqui proposto questiona esse modelo e defende um campo com gente feliz. A sucessão não diz respeito somente ao campo. A relação com a cidade é direta. O impacto da utilização de agrotóxicos sobre a saúde humana, no campo e na cidade, bem como os efeitos do êxodo rural, para citar apenas dois fatores, são sentidos por todos. São aspectos inescapáveis da agenda internacional, como evidenciam três importantes encontros mundiais de 2021: a Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU (outubro de 2021), a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 26, novembro de 2021) e a Conferência da ONU para Biodiversidade (outubro de 2021).,

Finalmente, como vimos, a sucessão é um fenômeno com implicações coletivas e portanto, deve ser garantida pelo Estado. A decisão entre permanecer no campo ou migrar para as cidades possui um componente de escolha individual, mas certamente é mediada pelas condições de reprodução social nos espaços rurais. Sendo assim, o Estado tem um papel central a cumprir no processo de sucessão rural, garantindo condições dignas de vida e geração de renda para as/os jovens do campo.

Juventudes, continuidades e descontinuidades

Os frutos desse processo são a própria substância do modo de vida rural. A permanência das juventudes possibilita tanto aspectos de continuidade (produtivas e culturais), quanto fomentam a transformação e as descontinuidades nos espaços rurais. Nos referimos aqui, em especial, aos processos de transição agroecológica, do emprego de tecnologias sociais, da agroindústria familiar, da formação de circuitos curtos de comercialização, que utilizam as mídias digitais para a divulgação e venda dos produtos, assim como às atividades não agrícolas que a cada dia crescem nos espaços rurais e diminuem consideravelmente a possibilidade de migração para os centros urbanos.

A luta não é de hoje: as origens do PL 9.263/2017

A construção das juventudes rurais como categoria social e política não é de hoje. Trata-se de um processo de décadas, marcado por muitas lutas e algumas conquistas importantes. Interessa destacar uma dessas conquistas em particular: o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, aprovado pela Presidenta Dilma em maio de 2016 (Decreto n. 8.736/2016). Construído a muitas mãos e coordenado no Governo Federal pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Plano é a principal inspiração do PL 9.263/2017, que dele resgatou as diretrizes, os objetivos e os eixos de atuação. Foi engavetado durante todo o Governo Temer e finalmente extinto por Bolsonaro em agosto de 2020. Permanece, contudo, como uma carta política das juventudes rurais.

Diante de todos os desmontes institucionais e do aumento da violência civil e de Estado contra as populações do campo, das florestas e das águas, o PL 9.263/2017 se apresenta como uma trincheira de lutas das juventudes camponesas e da agricultura familiar. Uma bandeira em defesa da soberania alimentar, do direito à terra e aos territórios e do Cuidado da Casa Comum.

Por: Campo Unitário