Câmara prepara PL para apoio a agricultura familiar na pandemia
A Câmara dos Deputados deve analisar nesta terça-feira (16) o
projeto de lei (PL) 886/2020, cujo relatório está sob responsabilidade do
deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), reunindo um conjunto de medidas
emergenciais para apoio à agricultura familiar durante o período de pandemia
causada pelo novo coronavírus. As propostas vêm sendo discutidas nas últimas
semanas pelos movimentos sociais do campo e pelos parlamentares.
O
pacote de apoio deve incluir o fomento à atividade agropecuária familiar, a
oferta de crédito com condições especiais, a criação do Programa de Aquisição
de Alimentos Emergencial (PAA-E) e soluções para o endividamento de
agricultores familiares. O texto da proposta, que reúne proposições de 23
projetos de lei apresentados nos últimos dias, deve incluir ações específicas
para apoio a mulheres trabalhadoras rurais e grupos produtivos femininos,
também contempladas com ações de fomento e crédito.
"Vamos
trabalhar fortemente na articulação com demais bancadas para que esse projeto
seja aprovado, e assim a agricultura familiar receba o tratamento que merece.
Temos a consciência do papel estratégico que a agricultura familiar exerce para
a produção de alimentos, a soberania e segurança alimentar do nosso país. O
mínimo que o governo pode fazer é garantir que os agricultores familiares
tenham as condições para continuar produzindo para sustentar a nação
brasileira", diz Marcos Rochinski, coordenador geral da Confederação Nacional
dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf
Brasil).
Até o
momento, foram liberados pelo governo federal 500 milhões de reais para o PAA,
valor apontado como insuficiente, frente ao quadro de fome e má alimentação que
se agrava.
"O
momento é de grande incerteza quanto ao futuro dos mercados de alimentos, as
famílias agricultoras precisam de segurança para planejar os plantios e
investir nas propriedades, e essa segurança deve vir do Estado, seja com a oferta
de recursos através de um programa consistente de fomento, com atenção especial
às mulheres, seja garantindo a aquisição de alimentos pelo PAA. Precisamos de
políticas públicas que gerem demanda por alimentos produzidos pela agricultura
familiar.", diz Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA).
"Dos 23
projetos que tramitam em caráter emergencial no Congresso brasileiro, nenhum
deles tratava da questão das mulheres, nenhum deles olhava o papel das mulheres
na produção de alimentos, ou olhava o papel das mulheres durante a pandemia.
Com todo mundo em casa, as mulheres terminam tendo uma carga, uma sobrecarga de
trabalho, desde o cuidado com a família à produção de alimentos. Uma sobrecarga
enorme.", diz Maria Kazé, da direção nacional do Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA).
Segundo
as lideranças dos movimentos camponeses, a lei deve apontar os caminhos para
aperfeiçoar o PAA, ajustando os procedimentos da iniciativa. O instrumento deve
permitir, por exemplo, que o governo antecipe recursos para as organizações da
agricultura familiar formarem seus estoques, e também que seja autorizado o
pagamento com fornecimento dos alimentos estocados, para que sejam doados a
pessoas em situação de insegurança alimentar.
Para o
secretário de Política Agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores
Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), Elias Borges, diante da
pandemia e das dificuldades que os agricultores e agricultoras familiares estão
enfrentando para produzir alimentos, comercializar a produção e para honrar com
seus compromissos financeiros, o momento exige ações concretas e rápidas.
"Por isso, acreditamos que o Congresso Nacional fará o que se espera dele
e aprovará esse projeto que representa as necessidades mais urgentes dos nossos
agricultores e agricultoras", comenta.
Autora
de uma das propostas apresentadas na Câmara, a deputada federal Sâmia Bomfim
(PSOL-SP) afirma que "é muito importante que o Congresso aprove medidas que
busquem apoiar a agricultura familiar e os pequenos produtores, ainda mais
nesse contexto de crise".
"Sabemos
que a estrutura fundiária brasileira concentra renda nas mãos dos magnatas do
agronegócio e dificulta o acesso a alimentos baratos e de qualidade para as
famílias mais pobres. O apoio aos pequenos produtores e suas cooperativas,
portanto, tem o duplo papel de ajudar essas famílias no campo e, ao mesmo
tempo, combater a insegurança alimentar nas periferias das cidades", comenta a
deputada.
Em live
realizada pelas redes sociais neste domingo (14), parlamentares salientaram a
importância das iniciativas que serão analisadas pelo Congresso. "Hoje, as
pessoas estão morrendo de covid, mas, no ano que vem, as pessoas podem estar
morrendo de fome", diz o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), uma das
lideranças que articula a elaboração do PL, reunindo propostas apresentadas nas
últimas semanas na casa.
"Em uma
pandemia como essa, se você não pode importar alimentos, você precisa ter
estoques", comenta o deputado João Daniel (PT-SE). "Precisamos valorizar a
pequena agricultura, os assentamentos e a natureza, porque as pessoas e as
comunidades que vivem lá cuidam das nascentes e das florestas", comenta o
deputado, coordenador do núcleo agrário do PT, um dos principais articuladores
da proposta.
"Essa
unidade dos movimentos populares na luta pela aprovação de medidas que garantam
a produção de alimentos durante e depois da pandemia é importante, pois, o
crédito emergencial e o fomento, a solução para o endividamento, a criação do PAA
emergencial e os investimentos para as mulheres camponesas garantem que não
tenhamos as filas de metros pela fome", explica Maria Kazé. "Sem alimentos, não
venceremos a pandemia, e só os camponeses e camponesas são capazes de
garanti-los", completa.
"Neste
momento de crise econômica e crise da saúde, a agricultura familiar é
fundamental para combater a fome e produzir alimento saudável", diz
Alexandre Conceição, membro da coordenação nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "Por isso, a votação do PL 886 vai
ser importantíssima para garantir que os trabalhadores e as trabalhadoras
rurais possam ter acesso ao crédito emergencial para produzir alimento e
combater a pandemia e combater a crise da falta de alimento no Brasil", afirma.
Desde o
início de abril, mais de 800 organizações, redes e movimentos demandam a
ampliação do orçamento do PAA para 1 bilhão de reais, este ano, com a
necessidade de investimento de 2 bilhões de reais no programa, em 2021.
Elaborada
com a participação de técnicos em abastecimento e especialistas em segurança
alimentar, a proposta conta com a adesão de organizações que atuam tanto no
campo quanto nas cidades, formando uma aliança ampla para pressionar o governo
federal a dinamizar a operação do PAA com urgência.
Entre
os signatários da proposta estão algumas das principais organizações sociais e
movimentos do país, como a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil),
Associação Brasileira de ONGs (Abong), Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos
(CEBI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Confederação Nacional dos
Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG),
Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar
(CONTRAF), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), Fórum Brasileiro de Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Fórum Nacional da Reforma Urbana
(FNRU), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos
trabalhadores Sem Teto (MTST), Slow Food Brasil (SFB) e União de Negros pela
Igualdade (UNEGRO).
Fonte: CONTRAF-Brasil